sábado, 12 de outubro de 2013

Colheita de Amostras de Água para Hemodiálise

Pacientes em tratamento por hemodiálise são expostos a volumes de água que variam entre 18.000 a 36.000 litros/ano. Portanto, se a água não for corretamente tratada, vários contaminantes poderão ser transferidos para os pacientes, levando ao aparecimento de efeitos adversos, muitas vezes letais. "

Silva et al, 2007

     Estimados leitores, ainda no âmbito da temática sobre águas, hoje irei falar sobre algo extremamente pertinente que consiste na realização de colheitas de amostras de água utilizada no tratamento de hemodiálise. Atualmente, a hemodiálise constitui a terapêutica renal mais utilizada por parte das pessoas que sofrem de insuficiência renal crónica, fazendo desta forma com que as unidades de hemodiálise sejam por vezes o único recurso que permite garantir alguma qualidade de vida a estes utentes. Assim sendo, torna-se urgente e necessário ter em atenção os potenciais perigos e riscos para a saúde que podem surgir devido a possíveis contaminações da água utilizada, pois caso não se garanta a qualidade da mesma, poderão ser transferidos para a corrente sanguínea dos doentes vários tipos de contaminantes sejam eles químicos e/ou bacteriológicos, originando efeitos adversos e até mesmo letais, constituindo assim um problema de saúde pública. 
     De forma a assegurar um nível de qualidade da água que não comprometa a saúde dos utentes, quer sob a forma de acidentes agudos quer crónicos, o Despacho nº 14391/2001 (2ª Série), prevê que sejam realizadas periodicamente análises físico-químicas e microbiológicas. Esta periodicidade inclui determinações diárias, semestrais e anuais. No que diz respeito ao técnico de saúde ambiental, este atua na vigilância da qualidade destas águas, de forma a que estas preencham os requisitos que garantam a sua utilização na hemodiálise.

    Durante a primeira semana de estágio, foi-me possível observar uma colheita de amostras de água para hemodiálise, algo que gostei bastante pois nunca tinha tido a oportunidade de assistir a este procedimento. A colheita de amostras de água foi realizada em dois pontos, sendo um no depósito da água da rede, ou seja, antes de sofrer qualquer tipo de tratamento (osmose inversa, filtração, entre outros), e outro já depois da água ter percorrido todo o circuito de tratamento (água preparada para a hemodiálise).

       No quadro I e II são apresentados os parâmetros, segundo o Despacho nº 14391/2001, que devem ser monitorizados na colheita de amostras de água para hemodiálise.

Quadro I - Parâmetros físico-químcos a monitorizar
Quadro II - Parâmetros microbiológicos a monitorizar
    Segue-se então o procedimento passo-a-passo de como deve ser realizada a colheita de amostras para análise microbiológica:
  1. Desligar o ar condicionado para evitar a contaminação da amostra com microrganismos provenientes do mesmo;
  2. Vestir a bata e calçar as botas descartáveis;
  3. Colocar a máscara e luvas;
  4. Colocar isopropanol a 70% numa compressa e desinfetar a torneira;
  5. Abrir a torneira, e com escoamento prévio, encher o frasco de 1 Litro, junto da torneira, sempre com o interior da tampa virado para baixo;
  6. Fechar o frasco junto da torneira e seguidamente fechar a torneira;
  7. Identificar a amostra e colocá-la na mala térmica;
  8. Retirar as luvas e a máscara;
  9. Medir os parâmetros de campo: pH, temperatura e cloro residual livre;
  10. Preencher a requisição de análise da água.

     É importante salientar que segundo o Manual de Boas Práticas de Hemodiálise a concentração máxima admitida de cloro residual livre é de 0,5 mg/L, sendo a concentração ótima a mais próxima de 0 mg/L.

Figura 1 - Desinfeção da torneira com Isopropanol a 70%
Figura 2 - Colheita da amostra
Figura 3 - Identificação do frasco da amostra

    Para finalizar, considero que a vigilância deste tipo de águas é indispensável para a promoção da saúde da população em especial para os utentes que frequentam unidades de hemodiálise na medida em que uma monitorização periódica e eficiente vai permitir garantir uma água de qualidade nos tratamentos de hemodiálise, promovendo assim a satisfação e a saúde dos próprios doentes. Um reflexo da importância desta vigilância foi o acontecimento trágico que aconteceu há uns anos atrás numa unidade de hemodiálise do País em que alguns doentes hemodialisados morreram devido ao fato de água utilizada no tratamento estar contaminada, apresentando níveis de alumínio bastante elevados: "O "caso do alumínio" ficou marcado pela morte de 25 doentes da Unidade de Hemodiálise do Hospital Distrital de Évora. As análises realizadas em 1993 revelaram altos teores de alumínio no sangue. A situação foi explicada pela má qualidade da água, justificada pelo então presidente da câmara Abílio Fernandes com a situação de seca que se vivia, e ainda pelo mau funcionamento dos filtros do sistema de osmose inversa instalado na estação de tratamento de águas do hospital, para retirar o excesso de alumínio." (excerto da notícia publicada no jornal Público)

    Contudo, infelizmente nem só em Portugal ocorreram intoxicações de pacientes sujeitos a hemodiálise devido a um inadequado sistema de tratamento da água e/ ou inexistência de monitorização regular dos parâmetros de qualidade da mesma. De acordo com o artigo Human Fatalities from cyanobacteria: chemical and biological evidence for cyanotoxins, publicado em 2001, no início de 1996, 123 pacientes renais crónicos, após terem sido submetidos a sessões de tratamento de hemodiálise numa clínica em Caruaru (Pernambuco), começaram a apresentar um quadro clínico compatível com uma grave insuficiência hepática, que no entanto não foi correlacionada com nenhum dos fatores usualmente tidos como causadores deste tipo de intoxicações. (Jochimsen et al, 1998) Do total de doentes, 54 vieram a falecer até cinco meses após o início dos sintomas com o chamado "Síndrome de Caruaru", sendo que de acordo com a Secretaria da Saúde do Estado de Pernambuco, a água utilizada na referida clínica provinha de camiões tanque da estação de tratamento de água municipal, devido ao período de seca que se verificou nesse verão, não tendo recebido um tratamento completo, nem uma vigilância adequada.
   As análises realizadas na Wright State University-Ohio, confirmaram a presença de cianobactérias no carvão ativado utilizado nos sistema de purificação da água da clínica, bem como em amostras de sangue e fígado dos pacientes intoxicados (Azevedo,1996; Carmichael et al, 1996), simultaneamente as amostras efetuadas ao reservatório de água que abastecia a cidade, demonstraram a presença de vários géneros de cianobactérias.


Figura 4 - Concentração de Fitoplâncton e Cianobactérias na água bruta, na Cidade de Caruaru, antes de 1996 (figura acima), durante o primeiro semestre de 1996 (figura abaixo)
Figura 5 - Concentração de Fitoplâncton e Cianobactérias na água  distribuída para os Centros de Diálise, na Cidade de Caruaru, antes de 1996 (figura acima), durante o primeiro semestre de 1996 (figura abaixo)
      Em breve irei fazer mais uma nova atualização no blogue, expondo mais uma temática abordada durante esta primeira semana de estágio!

     Ana Machado

     Fontes Bibliográficas:
     - Despacho nº 14391/2001 (2ªsérie), de 10 de Julho:
     - Manual de Boas Práticas de Hemodiálise:
      http://www.spnefro.pt/noticias/PDFs/2006_noticia_02_anexo_II.pdf
      - Jornal O Público:
      Human Fatalities from cyanobacteria: chemical and biological evidence for    cyanotoxins. W W Carmichael, S M             AzevedoR J MolicaE M JochimsenS LauK L    RinehartG R Shaw andG K Eaglesham, 2001:

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