sábado, 16 de novembro de 2013

Vistoria a um Veículo de Venda Ambulante de Pão e produtos afins

"Um dos setores da atividade económica com maior impacte junto do consumidor é, sem dúvida, o alimentar. É um setor em que a oferta não pára de crescer, à medida que as trocas comerciais se intensificam e em que a qualidade é, também aqui, reclamada por quem compra."



     Caros leitores, hoje irei-me debruçar sobre mais uma temática presente na vasta área de atuação do Técnico de Saúde Ambiental, e que ainda não tinha tido a oportunidade de abordar, a Higiene Alimentar. Na verdade, esta encontra-se presente no ponto 2, artigo 6º, no Decreto-Lei nº117/1995, de 30 de Maio, referente ao conteúdo funcional do Técnico de Saúde Ambiental: A área de higiene dos alimentos e dos estabelecimentos do sistema de produção e consumo compreende:

a)  Elaboração de pareceres sanitários sobre os projetos de estabelecimentos de produção e venda de géneros alimentícios;
b)  A promoção e colaboração com outras entidades, no cumprimento de disposições legais, em ações de controlo oficial dos géneros alimentícios.”


Fonte: https://www.google.pt/search?cestos+de+pao
     Desta forma, eu e os meus colegas de estágio participámos numa vistoria a um veículo de venda ambulante de pão e produtos afins, no Concelho de Almodôvar. A realização desta vistoria deveu-se ao fato de o proprietário para exercer a sua atividade, necessitar para além de outros documentos, da emissão do cartão de feirante e vendedor ambulante por parte da Câmara Municipal, segundo o artigo 5º da Lei nº 27/ 2013 de 12 de Abril referente ao regime jurídico a que fica sujeita a atividade de comércio a retalho não sedentária exercida por feirantes e vendedores ambulantes, bem como o regime aplicável às feiras e aos recintos onde as mesmas se realizam. Para a obtenção do cartão de feirante e vendedor ambulante é obrigatória a emissão de um certificado higio-sanitário através da realização de uma vistoria, para verificação do cumprimento dos requisitos de higiene e salubridade fixados na legislação.
     Ainda em relação à emissão do cartão de feirante e vendedor ambulante, é necessário que seja ouvida a autoridade sanitária concelhia que participa na vistoria. No presente caso, e tendo em conta o Regulamento de Venda Ambulante da Câmara Municipal, a autoridade sanitária concelhia será a autoridade de saúde. Assim sendo, o proprietário dirigiu-se ao Centro de Saúde, para requerer a vistoria junto da autoridade de saúde, para a obtenção do certificado higio-sanitário. Em representação da mesma, o Técnico de Saúde Ambiental procedeu à realização da vistoria da unidade móvel de venda ambulante, tendo por objetivo determinar a existência de conformidade do veículo de venda com os regulamentos exigidos na legislação, no que diz respeito às condições higio-sanitárias, por forma a assegurar a qualidade do produto. 
      De acordo com tudo o que foi visualizado e com base na legislação em vigor; Decreto-Lei nº 286/1986, de 6 de Setembro referente à Regulamentação higio-sanitária do comércio de pão e produtos afins,  Decreto-Lei nº243/1986, de 20 de Agosto, que aprova o Regulamento Geral de Higiene e Segurança do Trabalho nos Estabelecimentos Comerciais de Escritório e Serviços, Regulamento (CE) nº852/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril, relativo à higiene dos géneros alimentícios e Informação Técnica da Direção Geral de Saúde de 2/2010, relativa à Emergência e Primeiros Socorros em Saúde Ocupacional; verificaram-se as seguintes inconformidades:

Figura 1 - Inconformidades verificadas no Veículo de Venda Ambulante de Pão e produtos
afins
   Seguidamente, com base na legislação anteriormente descrita, são apresentadas algumas propostas de melhoria:

Figura 2 - Propostas de melhoria tendo em conta as incorformidades verificadas no Veículo de Venda Ambulante de Pão e produtos afins
Figura 3 - Veículo de Venda Ambulante de Pão e produtos afins

       Tendo em conta a vistoria realizada, só através da aplicação das medidas anteriormente referidas, é que poderá ser emitido um certificado higio-sanitário por parte da autoridade de saúde e posteriormente o respetivo cartão de feirante e vendedor ambulante, já que o veículo não reúne todas as condições de higiene e salubridade exigidas legalmente, não garantindo assim a qualidade do produto vendido.
      Considero que este tipo de vistorias não só a veículos de venda ambulante, mas também a qualquer tipo de estabelecimentos onde ocorra manipulação de géneros alimentícios é de extrema importância, pois constítui uma ferramenta indispensável na prevenção de possíveis contaminações de produtos alimentares, contribuindo assim para uma redução dos riscos envolvidos no aparecimento de doenças de origem alimentar. Na verdade, as doenças de origem alimentar, em especial as que são provocadas por microrganismos patogénicos, constituem um problema de saúde pública cuja magnitude é elevada, embora o conhecimento da situação ainda seja inferior ao da realidade, sendo este fenómeno comum a todos os países, incluindo os mais desenvolvidos.
     Segundo uma notícia publicada no jornal Público a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) suspendeu a laboração de 22 padarias devido a "deficientes condições de higiene", incluindo "sujidade acumulada ao nível dos equipamentos, presença de parasitas e falta de sistemas de controlo de pragas". Foi igualmente  encerrado um armazém de produtos alimentares, por não garantir as adequadas condições de higiene, tendo sido inspecionados no total cerca de 116 estabelecimentos agroalimentares.

  

   Atualmente, assistimos a uma tremenda evolução no que diz respeito à aplicação e cumprimento dos requisitos relativos à qualidade e segurança alimentar dos géneros alimentícios nos estabelecimentos que procedem quer à manipulação, quer à preparação e/ou confeção de alimentos, não só em Portugal, mas um pouco por todo o mundo, sendo que esta evolução esta espelhada na criação, em 1963, do Codex Alimentarius,  no Livro Branco sobre a Segurança dos Alimentos lançado, em 2000, pela União Europeia e nas diretivas e regulamentos comunitários onde se destaca o designado “pacote de higiene”, composto pelos Regulamentos (CE) n.ºs 852, 853 e 854/2004, de 29 de Abril, que definem as regras gerais e específicas de higiene para os géneros alimentícios aplicáveis a toda a cadeia alimentar e responsabilizam os operadores das empresas do setor alimentar de forma a garantir um elevado nível de proteção do consumidor em matéria de segurança dos alimentos, pois como refere a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Food and Agriculture Organization of the United Stations (FAO): "existe a necessidadecrescente de se estabelecerem regras e padrões para a produção e o comércio de alimentos inócuos e de qualidade a nível internacional..".
     Contudo, simultaneamente é possível verificar que à medida que a exigência é cada vez maior em relação aos parâmetros de qualidade e segurança alimentar nas indústrias deste ramo, existem algumas disparidades na forma como o consumidor perceciona o risco de ocorrência de uma doença de origem alimentar causada por alimentos preparados na sua própria casa e alimentos preparados por outros fora da sua casa (como por exemplo em restaurantes). Na verdade, os consumidores acreditam, ainda, que as doenças de origem alimentar devem-se essencialmente às más práticas dos outros intervenientes da fileira alimentar (produtores, industriais e distribuição), desconhecendo que o lar constítui o local mais provável para a ocorrência de problemas de origem alimentar. (Redmond et al, 2004).

      Num estudo realizado em 2004, pela Food Research and Consultancy Unit at the University of Wales Institute tendo por objetivo determinar a perceção do risco e  a responsabilidade dos consumidores de South Wales em relação à preparação doméstica das suas refeições, os autores chegaram a algumas conclusões bastante interessantes nomeadamente:

-  Existência de um modelo comportamental, a chamada "ilusão de controlo", que leva os consumidores a  desvalorizarem a existência dos perigos associados a uma possível contaminação alimentar na preparação de refeições domésticas, sendo este modelo predominante por parte dos consumidores de South Wales;

Verificou-se que os consumidores estão a começar a reconhecer a responsabilidade pessoal pela sua segurança alimentar, mas alguns ainda consideram que somente a indústria alimentar deveria assegurar a redução dos riscos

Figura 4 - Perceção dos consumidores relativamente ao risco pessoal e ao risco de outras pessoas associado a possíveis contaminações alimentares na preparação de refeições domésticas e refeições preparadas por outras pessoas.
  
       Um outro relatório efetuado pela European Food Safety Authority (EFSA) em 2010, relativo aos surtos alimentares declarados, concluiu que a principal causa da ocorrência de doenças infecciosas de origem alimentar foi a contaminação cruzada devida à incorreta manipulação dos alimentos (33,8 %). Relativamente ao local onde ocorreram os surtos de doença de origem alimentar, os dados obtidos pela EFSA, referentes ao ano de 2009, mostram que, num total de 977 surtos (dos quais 11 ocorreram em Portugal), só foi possível determinar o local do surto em 85 % dos casos reportados. Contrapondo com os 36,4 % dos surtos resultantes do consumo de refeições preparadas em casa, encontram-se 20,6 % dos surtos ocorridos por consumo de refeições preparadas em restaurantes, cafés, bares, pubs; 5,5, % dos surtos em refeições confecionadas em escolas e creches; 4,9 % dos surtos ocorridos por refeições consumidas nas cantinas e locais de trabalho e 2,8 % dos surtos ocorridos em refeições em feiras, festivais ou catering de massas. Ainda de acordo com o referido relatório, cerca de 71 % dos consumidores estão preocupados com o não cumprimento das regras de higiene quando come fora de casa (lugares públicos, cantinas, restauração), enquanto  que  apenas 42 % destes se preocupam com a má manipulação dos alimentos em sua casa.

    Perante esta realidade, e enquanto futura Técnica de Saúde Ambiental, penso que é essencial e urgente primeiramente determinar o nível de perceção do risco, bem como o nível de conhecimentos dos consumidores face aos perigos associados a possíveis contaminações alimentares na preparação de refeições, mais concretamente em casa, pois só assim será possível adequar e adaptar as abordagens e estratégias de sensibilização e educação referentes aos princípios e regras de segurança alimentar, garantindo desta forma uma maior eficácia, pois segundo Griffith et al, 2008: " ... importa mitigar as barreiras associadas às boas práticas de Higiene e Segurança Alimentar, recorrendo a uma comunicação institucional regular e objetiva da gravidade e das prevalências das doenças de origem alimentar, das práticas corretas de higienização e manipulação segura dos alimentos, com dados claros e concisos, usando-se mensagens e meios adequados e diversificados."

    A título de curiosidade, mostro em seguida o poster das "Cinco Chaves para uma Alimentação Mais Segura" elaborado pela Organização Mundial de Saúde, em 2001, baseado em mensagens simples e fáceis de serem memorizadas, relativas aos comportamentos a adotar para uma manipulação higiénica e segura dos alimentos por parte dos manipuladores de alimentos!

Figura 5 - Poster "Cinco Chaves para uma Alimentação Mais Segura"


Ana Machado

Fontes Bibliográficas:
- Consumer perceptions of food safety risk, control and responsibility. Food Research and Consultancy Unit, University of Wales Institute:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15527934
Decreto-Lei nº 117/1995, de 30 de Maio:
http://www.dre.pt/pdf1s/1995/05/125A00/33783380.pdf
Decreto-Lei nº 243/1986, de 20 de Agosto:
http://dre.pt/pdf1sdip/1986/08/19000/20992106.PDF
Decreto-Lei nº 286/1986, de 6 de Setembro:
http://www.dre.pt/pdf1s/1986/09/20500/24542458.pdf
-The European Union Summary Report on Trends and Sources of Zoonoses, Zoonotic Agents and Food-borne Outbreaks in 2009. European Food Safety Authority (EFSA):
http://www.efsa.europa.eu/en/efsajournal/doc/2090.pdf
Informação Técnica da Direção Geral de Saúde de 2/2010:
http://www.dgs.pt/upload/membro.id/ficheiros/i013221.pdf
Jornal Público:
Lei nº 27/ 2013 de 12 de Abril:
Regulamento (CE) nº 852/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril:

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