Hoje irei dar-vos a conhecer uma temática bastante
relevante, referente aos Campos Eletromagnéticos de Extremamente Baixa
Frequência (EBF) e o seu impacto na saúde pública. Primeiramente, torna-se
necessário definir o conceito de Campo Eletromagnético, apesar de constituir um
conceito bastante abstrato, este pode ser descrito como um campo composto por dois
vetores de campo: o campo elétrico e o campo magnético, sendo que
estes dois campos existem sempre que ocorre fluxo de corrente elétrica. 1 O campo elétrico é originado a partir de cargas
elétricas, tendo como unidade de medida o V/m (Volt por metro); por outro lado
o campo magnético é gerado pela movimentação de cargas elétricas (corrente
elétrica), podendo ser expresso em T (Tesla), mT (Militesla), µT (Microtesla)
ou ainda em G (Gauss), em que 10.000 G= 1T. 2 Em ambos os campos, elétrico e magnético, a
intensidade é maior na proximidade da fonte e diminui com a distância.
Figura 1 - Representação do Campo Eletromagnético |
O Campo Eletromagnético existe onde quer que a eletricidade
seja gerada, transmitida ou distribuída em linhas ou cabos de energia. Sempre
que há um fluxo de eletricidade, campos elétricos e magnéticos são criados nas
proximidades dos condutores elétricos e nas proximidades de equipamentos elétricos,
sendo possível afirmar que desde que o uso da eletricidade se tornou uma parte
integrante do estilo de vida moderno, o campo eletromagnético está omnipresente
no ambiente. 2 Desta forma, a população está continuamente
exposta a campos eletromagnéticos de diferentes frequências, frequência esta
medida em Hertz (Hz), que irá permitir a separação do espectro total dos Campos
Eletromagnéticos em bandas discretas, tendo em conta o a intensidade da mesma,
obtendo-se a seguinte classificação: campos eletromagnésticos estáticos, campos
eletromagnéticos de extremamente baixa frequência (EBF), radiação de
radiofrequência e micro-ondas, radiação infravermelha, luz visível, radiação
ultravioleta, radiação ionizante.
Figura 2 - Espectro dos Campos Eletromagnéticos |
A radiação ionizante que apresenta um nível de frequência
bastante elevado inclui os raio-x, raios-gama emitidos por materiais
radioativos e raios cósmicos, sendo que esta radiação tem a capacidade de
penetrar no ser humano, possuindo energia suficiente para ionizar e quebrar
ligações químicas, provocando danos nos orgãos internos e tecidos e até mesmo
no próprio DNA. Todos os outros tipos de radiação que não
possuam energia suficiente para causar ionização, são denominadas de radiações
não ionizantes, radiações estas com uma frequência mais baixa. Dentro deste
tipo de radiações é possível destacar as três principais nomeadamente os campos
eletromagnésticos estáticos, os campos eletromagnéticos de extremamente baixa
frequência (EBF)e a radiação de radiofrequência e micro-ondas. 3
Os Campos Eletromagnéticos à frequência industrial, isto é com uma frequência de 50 Hz são considerados como de “Extremamente Baixa Frequência” (EBF ou ELF na terminologia inglesa) quando comparados com as frequências caraterísticas da generalidade dos equipamentos de telecomunicações (na ordem dos MHz ou GHz), ou das frequências superiores da radiação de radiofrequência e micro-ondas, da radiação infravermelha, da luz visível, ou das radiações ultravioletas e radiações ionizantes, com frequências na ordem dos THz. Na verdade, os campos eletromagnéticos de extremamente baixa frequência (EBF) são gerados a partir de instalações elétricas, os quais induzem correntes elétricas no organismo, que, dependendo da intensidade, poderão originar efeitos no funcionamento do ser humano, sendo que este fenómeno ocorre devido ao fato de no campo magnético não se verificar o efeito de blindagem da pele, o que faz com que a sua penetração no corpo humano induza correntes elétricas no seu interior, variáveis de acordo com a resistividade e forma dos órgãos em causa,com as dimensões do corpo e outras caraterísticas individuais; ao contrário do que ocorre no campo elétrico, uma vez que este é fortemente atenuado dentro do corpo humano devido às propriedades da pele, que a tornam praticamente como uma blindagem contra a penetração do campo, em que a própria presença do corpo modifica as linhas de força do campo elétrico. 3
Atualmente, verifica-se uma grande preocupação com a exposição humana a campos eletromagnéticos, particularmente os de extremamente baixa frequência (EBF), uma vez que o número de pessoas expostas a estes campos cresceu exponenencialmente nos últimos anos devido à grande expansão do setor da energia elétrica. Este fato despertou a atenção por parte da comunidade científica que passou a investigar se a exposição a estes campos eletromagnéticos produziria efeitos adversos à saúde da população. Desta forma, desde o final dos anos setenta, foram conduzidos diversos estudos no sentido de avaliar uma possível associação entre esses campos e consequências negativas para a saúde da população exposta, abrangendo as etapas da geração, produção, transmissão e uso da energia elétrica. Em 1996, a Organização Mundial de Saúde (OMS) implantou o Projeto Internacional de Campos Eletromagnéticos para investigar os potenciais riscos para a saúde associados a tecnologias emissoras dos campos eletromagnéticos de extremamente baixa frequência (EBF), sendo que em 2002 a International Agency for Research on Cancer (IARC) publicou uma monografia classificando estes campos como "possivelmente carcinogénicos para os seres humanos". 4
Esta classificação deveu-se
sobretudo à associação entre a leucemia infantil e os campos magnéticos das correntes residenciais, identificada primeiramente
por Wertheimer & Leeper (1979) e encontrada subsequentemente num certo
número de estudos epidemiológicos, promovendo a avaliação experimental e
epidemiológica da investigação e do risco neste tema. As considerações da IARC em 2002, mantidas pela OMS em 2007 face
aos resultados de investigações posteriores, que serviram de base à
classificação dos campos
eletromagnéticos de extremamente baixa frequência (EBF) como
“possivelmente cancerígenos”,
resumem-se seguidamente, segundo a própria OMS: 4
Para uma melhor noção do significado da classificação da IARC, na
tabela seguinte exemplificam-se vários agentes classificados por aquela
organização para os três níveis de perigosidade considerados.
Tabela 1 - Exemplos da classificação da IARC quanto à carcinogenicidade |
Os Campos eletromagnéticos
de extremamente baixa frequência (EBF) encontram-se no mesmo
nível de perigosidade atribuída que outros agentes como o café ou os vegetais
de conserva e, na verdade, a classificação de “possibilidade” de carcinogenicidade significa apenas que não está
provado que sejam inócuos. É de
sublinhar, que a classificação da IARC, corroborada pela OMS, se aplica apenas
à leucemia infantil e que,
até ao momento ainda não se encontrou qualquer comprovação laboratorial,
resultando apenas de estudos epidemiológicos de interpretação estatística polémica. Em Outubro
de 2005, a OMS reuniu um Grupo de Trabalho de especialistas científicos para
avaliar qualquer risco para a saúde que pudesse existir pela exposição a campos
eletromagnéticos numa faixa de frequência maior do que 0 até 100.000 Hz (100
kHz), procedendo à revisão das evidências para vários efeitos adversos sobre a saúde
nomeadamente outros tipos de cancro em crianças e adultos, depressão, suicídio,
distúrbios cardiovasculares, disfunções na reprodução, distúrbios no
crescimento, alterações imunológicas, efeitos neuro-comportamentais e doenças
neuro-degenerativas. O Grupo de Trabalho da OMS concluiu que a
evidência científica que sustenta uma associação entre a exposição a campos eletromagnéticos de extremamente baixa
frequência (EBF) e todos estes efeitos sobre a saúde é muito
mais fraca que para a leucemia infantil. 5
Legislação Comunitária e Nacional:
A 30 de Julho de 1999, o Jornal das Comunidades
publicou uma " Recomendação do Conselho (Europeu) de 12 de Julho de 1999, relativa à limitação da exposição da população aos campos eletromagnéticos (0 Hz – 300 GHz) " 6, em que recomendava a adoção pelos Estados Membros
de medidas que garantissem a limitação dos campos eletromagnéticos a que as
populações são expostas. Os valores indicados são uma transcrição perfeita
dos valores indicados pela International Commision on Non-Ionizing Radiation Protection (ICNIRP) no ano de 1998. Seguidamente é apresentado um pequeno
quadro que resume a Recomendação Europeia 519/EC/1999.
Quadro 1 - Resumo da Recomendação Europeia 519/EC/1999 |
Posteriormente, em Abril de 2004, o Parlamento Europeu formulou
em termos de diretiva obrigatória as indicações da referida recomendação no que
se referem aos ambientes ocupacionais (trabalhadores do setor eléctrico), a
chamada Diretiva Europeia 2004/40/CE 7. Em seguida, é apresentado um pequeno resumo das
principais diretrizes descritas nesta Diretiva.
Quadro 2 - Resumo da Diretiva Europeia 2004/40/CE |
Em Portugal, a 23 de Novembro de 2004, foi publicada a Portaria nº 1421/2004 8 que adota para Portugal a Recomendação 519/EC/1999 do Conselho Europeu, que contém prescrições quanto às obrigações de empregadores e trabalhadores do setor eléctrico. Os valores de limitação básica e de referência publicados correspondem a uma transcrição dos valores recomendados pelo Conselho Europeu e, por conseguinte,dos valores indicados pela ICNIRP em 1998. No que se refere à frequência industrial de 50 Hz utilizada na transmissão e distribuição de energia elétrica em Portugal:
Soluções Técnicas
para a redução da exposição a Campos Eletromagnéticos gerados por Linhas Aéreas
e Subterrâneas:
O campo magnético produzido por uma linha de
energia em Alta Tensão, medido à altura, relativamente ao solo, de um ser
humano, depende da sua distância ao solo e da geometria da sua disposição
trifásica, e é proporcional à corrente que a percorre. A
distância ao solo da linha, por outro lado, varia ao longo do percurso entre
postes (vão) e atinge um mínimo, definido regulamentarmente por razões de
segurança, perto do ponto médio do vão. A partir destas considerações, é
possível definir algumas orientações que permitem reduzir a intensidade dos
campos a uma determinada distância do solo, tais como a elevação das linhas,
usando postes mais altos, ou a redução da distância entre os condutores de
fase. 9
Enterramento de Linhas:
O enterramento das linhas aéreas poderá eliminar o impacto visual, contudo, não elimina os campos magnéticos gerados por elas. Na verdade, sobre as valas de enterramentos dos cabos, os campos são mesmo, regra geral, muito mais intensos que os máximos resultantes das linhas aéreas (para iguais níveis de tensão e corrente), uma vez que a sua distância relativa aos seres humanos é muito menor do que para as linhas aéreas. Assim sendo, o enterramento das linhas aéreas só com medidas adicionais de blindagem magnética é que constitui efetivamente uma solução para o problema dos campos gerados pelas linhas. 9
Desta forma, têm sido estudas
várias alternativas técnicas no sentido de minimizar o impacto de possíveis
efeitos dos campos eletromagnéticos sobre a saúde, estando simultaneamente em consonância com aspetos de segurança, confiabilidade, requisitos de isolamento
e afastamentos eétricos, preocupações ambientais, custos, operação e
manutenção. Dentro das várias soluções propostas, é possível destacar as
seguintes:
- Enterramento das Linhas;
- Elevação da altura das Linhas;
- Modificação da geometria dos condutores;
- Blindagem Magnética de Linhas;
- Utilização de condutores cobertos com espaçadores (Spacer Cable).
Enterramento de Linhas:
O enterramento das linhas aéreas poderá eliminar o impacto visual, contudo, não elimina os campos magnéticos gerados por elas. Na verdade, sobre as valas de enterramentos dos cabos, os campos são mesmo, regra geral, muito mais intensos que os máximos resultantes das linhas aéreas (para iguais níveis de tensão e corrente), uma vez que a sua distância relativa aos seres humanos é muito menor do que para as linhas aéreas. Assim sendo, o enterramento das linhas aéreas só com medidas adicionais de blindagem magnética é que constitui efetivamente uma solução para o problema dos campos gerados pelas linhas. 9
Figura 3 - Campos magnéticos a 1 metro de altura do solo para uma linha aérea (a azul) e um cabo subterrâneo (vermelho) com as mesmas tensão e corrente nominais |
Uma possível
opção técnica seria a elevação das linhas com postes mais altos, uma vez que o campo
magnético atinge a intensidade máxima no ponto médio dos vãos das linhas, onde a altura destas
é menor. 9 No entanto, tem a desvantagem de agravar o custo dos
postes e de ter maior impacto visual no meio envolvente.
Figura 4 - Campos magnéticos a 1 metro de altura do solo para
uma linha aérea com diferentes alturas do condutor relativamente ao solo
Modificação da geometria dos condutores:
A escolha adequada da geometria dos apoios dos
condutores tem um significativo impacto sobre o valor do campo magnético a 1
metro do solo. A “compactação” (redução da distância entre condutores), para
linhas simples é uma solução eficaz, mas limitada pela necessidade de manter as
necessárias distâncias de isolamento entre condutores, para além da
intensificação do campo elétrico resultante
dessa maior proximidade. 10
Figura 5 - Campos magnéticos a 1
metro de altura do solo para uma linha aérea com diferentes geometrias dos
condutores resultantes de apoios diferentes
Blindagem Magnética de Linhas:
Para linhas
já existentes e troços relativamente curtos, uma solução técnica alternativa é a respetiva blindagem magnética através da
instalação de condutores passivos de blindagem. A redução é tanto maior quanto
mais próximos estiverem os condutores de blindagem
dos ativos, mas a redução global conseguida não é uniforme, sendo por isso uma solução limitada em
termos de redução do Campo Magnético. 10
Figura 6 - Blindagem magnética
(a vermelho) de um vão de linha com dois condutores passivos de blindagem
Utilização de
condutores cobertos com espaçadores (Spacer Cable):
Dado que o campo magnético é proporcional à distância
entre condutores de fase, uma
forma de o reduzir será “compactar” as linhas, ou seja, reduzir essa distância.
Esta medida consiste numa tecnologia que tem vindo a ser desenvolvida nos
últimos anos e que tem encontrado
vasta aplicação nas redes de Distribuição da Escandinávia e no Brasil, baseando-se
no uso de condutores revestidos
ou
cobertos, por um material plástico de reduzida espessura que lhe confere um isolamento
parcial. Algumas das justificações correntes deste isolamento são a melhoria de
comportamento em zonas densamente arborizadas e/ou com neve e gelo assim como a
preservação da avifauna, bem como a
redução da distância entre os condutores e consequentemente uma
redução do efeito coroa (ionização das moléculas de ar em
torno dos condutores, criando uma fina coroa de ar devido à presença do Campo
Elétrico). 10
Figura 7 - Transformação de uma
linha de Média Tensão (“Reference”) numa linha revestida com espaçadores
Posto isto, apesar da inconclusibilidade dos estudos epidemiológicos já realizados por parte da
comunidade científica no sentido de comprovar uma possível relação de
causa-efeito entre a exposição a campos eletromagnéticos de extremamente baixa
frequência (EBF) e a leucemia infantil, bem como outras patologias, deverá ser
adotada por parte de todos os governantes, e principalmente das empresas do
setor elétrico e telecomunicações uma política assente no principio da
precaução, pois como refere a OMS: “Justifica-se
e é razoável a implementação de medidas de baixo
custo para
reduzir a exposição (aos campos magnéticos de EBF), desde que isso não
comprometa os benefícios para a saúde, sociais e económicos da energia
elétrica... Deverão considerar-se mudanças nas práticas de engenharia para se
reduzir a exposição aos campos EBF de equipamentos e dispositivos, desde que
isso produza outros benefícios adicionais,tais como maior segurança, ou um custo pequeno ou nulo.” 11
Desta forma, os
governantes deverão estar sensibilizados para os medos das populações,
demonstrando simultaneamente empenho fiscalizador mas também promovendo ações
de esclarecimento, possibilitando assim a aquisição de conhecimentos reais e
estimulando o diálogo entre as duas partes, uma vez que os decisores políticos
constituem uma peça fundamental na implementação da política de precaução, pois
segundo a OMS: “As autoridades nacionais
devem permitir a tomada
de decisões informadas por todas as partes interessadas, incluindo informação
sobre como podem
os indivíduos reduzir a sua própria exposição”. 11 Por outro lado, todas as empresas do setor elétrico e telecomunicações também desempenham um papel fundamental
na minimização da exposição aos campos eletromagnéticos de extremamente baixa
frequência (EBF) por parte dos seus trabalhadores mas também do público em
geral, assumindo uma postura proativa na gestão do risco e
promovendo uma comunicação aberta da informação ao público, como acontece na EDP Distribuição, uma vez que esta já acionou algumas medidas entre as quais é
possível destacar: caraterização
das instalações da EDP Distribuição relativamente
a campos eletromagnéticos de extremamente baixa
frequência (EBF), de
acordo com as novas normas
internacionais de medição; Definição, orçamentação preliminar e ordenaçãopor
relação custo-benefício de soluções técnicas para
a redução de campos
eletromagnéticos de extremamente baixa frequência (EBF) em instalações tipo da EDP Distribuição.
Fontes Bibliográficas:
1- WHO- World Health Organization: What are electromagnetic fields?, Junho 2006
4- IARC - Agency for Research on Cancer - Working Group on Evaluation of Carcinogenic Risks to Humans non-ionizingradiation, Part 1: Static and extremelylow-frequency (ELF) electric and magnetic fields, 2002;
9- Pinto de Sá,
J. Campos Eletromagnéticos de
extremamente baixa frequência (EBF), Saúde Pública e Linhas de Alta Tensão, Fevereiro 2008;
10- EDP Distribuição - Campos Eletromagnéticos de Extremamente Baixa Frequência (EBF), Outubro 2009;
Até breve!
Ana Machado
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