Caros leitores!
Após ter sido anunciado recentemente através dos meios de comunicação
social a notícia de que um trabalhador ao serviço do grupo EDP tinha sofrido um
acidente de trabalho mortal numa subestação em Bragança, considerei importante abordar mais
aprofundadamente a problemática dos riscos elétricos em contexto laboral, bem
como as consequências a nível material mas principalmente sob o ponto de vista
humano e as respetivas medidas e ações de segurança e proteção desses mesmos
riscos. Como já tem sido referido, a eletricidade constitui atualmente um bem
essencial, que possibilita a realização de diversas atividades de forma mais
eficiente, colocando ao dispor dos seus utilizadores diversos equipamentos
que garantem e/ou auxiliam a
concretização das mais variadas tarefas profissionais. Infelizmente, esta tecnologia não está isenta de riscos, riscos esses
que se colocam ao nível do utilizador comum mas, sobretudo, ao nível dos
profissionais que trabalham no setor elétrico, sendo por isso importante uma
consciencialização relativamente aos riscos que a sua utilização indevida pode
acarretar, bem como às medidas de segurança e proteção que permitam prevenir e
ou/minimizar as consequências que possam advir desses mesmos riscos.
Para que
se verifique a ocorrência do risco elétrico, é necessário que estejam presentes
cada uma das seguintes condições nomeadamente: existência de um circuito
elétrico formado por elementos condutores, que o mesmo circuito esteja fechado
ou possa fechar-se e que o circuito apresente diferença de potencial ou se
encontre em tensão. 1 No que diz respeito ao
acidente elétrico propriamente dito, este pode ocorrer devido a contactos
diretos ou contactos indiretos, que irei explicar na figura seguinte.
Figura 1 - Tipos de contactos que poderão originar um acidente elétrico |
Em relação às consequências de um
possível acidente elétrico, torna-se essencial, ter presente dois conceitos
fundamentais: a eletrocussão, isto é, um choque elétrico que origina um
acidente mortal e a eletrização, ou seja, um choque elétrico que não causa um
acidente mortal, mas que pode originar outro tipo de acidentes, com
consequências que podem ser mais ou menos graves. 2 O que
distingue a eletrocussão da eletrização são um conjunto de fatores entre os
quais se pode destacar:
Figura 2 - Fatores que definem a diferença entre a eletrocussão e a eletrização |
Figura 3 - Principais consequências de um acidente elétrico |
Ainda
relativamente aos efeitos que advêm da ocorrência de um acidente elétrico no
ser humano, estes estão diretamente relacionados com um conjunto de fatores
físicos e biológicos, que irão determinar a gravidade das consequências do
contacto da corrente elétrico com o corpo humano:
- Intensidade da Corrente Elétrica – Tem um papel fundamental na origem de lesões provocadas pela corrente elétrica, sendo que para o ser humano o limiar da perceção da corrente alternada de frequência industrial (50/60 Hz) é da ordem de 1mA (1mA=0.001 Ampere) e para corrente contínua cerca de 5 mA; 3
Figura 4 - Intensidade da corrente elétrica e respetivos efeitos sobre o corpo |
- Resistência do corpo humano – Tal como qualquer material o corpo humano também oferece alguma resistência à passagem da corrente elétrica, ou seja, possui uma determinada resistência elétrica, em que habitualmente o valor dessa resistência situa-se entre os 1000 e 2000 Ω. Simultaneamente existe também a chamada resistência cutânea do corpo que varia mediante: a superfície de contacto (maior a superfície menor a resistência), estado do revestimento (uma mão calosa é mais isolante que o dorso da mão), pressão de contacto (a resistência cutânea é tanto menor quanto maior for a pressão exercida pelo ponto de contacto do corpo humano sobre o condutor elétrico), estado de hidratação (a pele húmida tem uma resistência muito menor que a pele seca), duração do contacto (quando existe um contacto mais prolongado a pele apresenta uma resistência mais baixa) e a tensão de contacto; 3
- Percurso da Corrente Elétrica através do corpo humano – Quando a corrente elétrica flui através do corpo humano, regra geral toma o trajeto mais curto entre os dois pontos de contacto. Por norma, a corrente elétrica circula das mãos para os pés ou de uma mão para outra, situação esta que confere grande perigo, pois caso a corrente elétrica atravesse alguns dos órgãos vitais (por exemplo o coração), a consequência poderá ser fatal; 3
- Tensão Elétrica – Quanto maior for a tensão ou a diferença de potencial aplicada num condutor, maior será a intensidade da corrente elétrica que circula nesse mesmo condutor, assim, instalações com tensões elevadas são mais perigosas pois são suscetíveis de fazer passar pelo corpo humano correntes elétricas de maior intensidade. Desta forma, uma tensão mais baixa (como na Baixa Tensão) aplicada a um indivíduo que não esteja devidamente isolado, poderá ser mais perigosa do que uma tensão mais elevada (como na Alta Tensão) aplicada a um indivíduo devidamente isolado; 3
- Tempo de Exposição à Corrente Elétrica – Os efeitos da corrente elétrica sobre o ser humano estão fortemente dependentes da corrente elétrica efetiva que atravessa o corpo e do tempo de exposição à mesma; 3
- Frequência da Corrente Elétrica – Constitui um fator determinante nas consequências que possam advir do contacto com a corrente elétrica. A perigosidade da corrente elétrica diminui com o aumento da frequência, sendo que as frequências industriais (50/60 Hz) são as mais perigosas, acima dos 10.000 Hz, as principais consequências associadas são as queimaduras, caso a corrente elétrica seja bastante intensa. 3
Na Baixa
Tensão (BT), a morte é sobretudo condicionada pela ação local da quantidade de corrente
elétrica que atinge o coração do indivíduo. Já na Alta Tensão (AT), por sua
vez, a morte surge principalmente devido
à extensão das queimaduras sofridas. No que diz respeito às possíveis causas de
um acidente elétrico, estas encontram-se agrupadas em categorias bem definidas
nomeadamente as causas diretas (como por exemplo um defeito de isolamento da
instalação eléctrica, contacto acidental com uma peça do cabo condutor sob
tensão, entre outras) e as causas indiretas (como por exemplo ligação súbita à
rede de alimentação, entre outras). Passando
para situações mais específicas, as causas mais comuns dos acidentes de
trabalho que envolvem eletricidade são:
- Utilização incorreta de equipamentos devido à falta de formação ou cuidado;
- Utilização de equipamentos em tarefas para as quais não estão adequadas;
- Utilização de equipamentos danificados/ em mau estado de conservação;
- Incorreta utilização dos equipamentos de proteção individual;
- Utilização de equipamentos com cabos de ligação deteriorados;
- Movimentação de aparelhos e/ou equipamentos em tensão sem a devida
aplicação das respetivas medidas de segurança e proteção. 4
Como já foi
documentado em publicações anteriores, existem vários tipos de medidas a tomar de forma a garantir uma
eficaz política de proteção e segurança
contra os riscos elétricos. Primeiramente existem as medidas informativas,
essenciais a qualquer situação, e que
têm como objetivo avisar e dar a conhecer
a existência dos riscos elétricos , alguns casos deste tipo de medidas são: sinalização de
segurança, normas e procedimentos de
segurança, entre outras. Se se quiser atuar contra a possibilidade de
contactos diretos, as medidas de proteção
ativa são as mais adequadas,
nomeadamente:
- Recobrimento das partes ativas da instalação elétrica;
- Uso de tensão reduzida de segurança;
- Afastamento das partes ativas;
- Interposição de obstáculos. 4
Por
outro lado, se o objetivo for proteger os indivíduos de contactos indiretos,
existem alguns tipos de medidas de proteção
passiva que podem ser empregados:
- Utilização de tensão reduzida de segurança;
- Separação dos circuitos. 4
- Isolamento dos elementos condutores estranhos à instalação elétrica;
- Inacessibilidade simultânea de massas e elementos condutores estranhos à instalação elétrica;
- Estabelecimento de ligações equipotenciais;
- Aplicação das chamadas “5 Regras de Ouro”.
Figura 6 - Ilustração das "5 Regras de Ouro" |
Para finalizar, gostaria de refletir um pouco sobre um aspeto bastante relevante e que muitas vezes é subestimado, que consiste na importância do papel da comunicação do risco na promoção da segurança e saúde no trabalho. Na verdade, durante o presente estágio, tive a oportunidade de realizar diversas auditorias, podendo desta forma contactar com uma vasta panóplia de equipas de trabalhadores, permitindo-me colocar em prática esta valiosa ferramenta, o que me possibilitou amadurecer e evoluir enquanto futura técnica de segurança e saúde no trabalho. Segundo Palencar, 2008 5: “A Comunicação do Risco é um processo de interação e intercâmbio de informações entre os indivíduos, grupos ou instituições sobre ameaças à saúde, à segurança ou ao ambiente, com o propósito de que a comunidade conheça os riscos aos quais está exposta e participe na sua solução, sendo um processo intencional e permanente...”, assim, é possível constatar que a mesma constítui um modelo de comunicação fundamental na promoção da consciencialização dos indivíduos relativamente às suas tomadas de decisão e posições no que diz respeito aos riscos a que se encontram expostos. No entanto, para que a comunicação seja eficiente e bem sucedida, é necessário que o recetor defina primeiramente qual a mensagem que quer transmitir, os objetivos que pretende alcançar com a mesma, qual o público-alvo e por fim adaptar a sua postura e linguagem. De uma forma geral, pode-se afirmar que a linguagem utilizada neste tipo de comunicação deverá ser simples, acessível, célere, coerente, envolvida num ambiente “aberto” e transparente, favorecendo a construção da confiança e credibilidade do público – alvo, fatores estes fundamentais para o comprometimento e perceção dos trabalhadores relativamente à gestão e prevenção dos riscos laborais.
Fazendo
um balanço de todo o trabalho que realizei, posso afirmar que nas primeiras
auditorias que efetuei no início senti-me algo insegura e receosa uma vez que
teria de demonstrar os meus conhecimentos mas principalmente conseguir passar a
mensagem que queria e demonstrar a importância que a informação por mim
transmitida teria na promoção da saúde e segurança dos trabalhadores. Este
fato, levou a que tivesse adotar estratégias e mecanismos que contribuíssem para
melhorar as minhas capacidades comunicativas, fazendo-me assim evoluir enquanto
futura profissional, de forma transmitir a informação desejada aos
trabalhadores relativamente aos riscos e respetivas medidas e ações corretivas,
tendo recebido algum feedback, o que me permitiu perceber se a mensagem tinha
sido efetivamente compreendida e de que forma. Outro aspeto que considerei
extremamente positivo foi o fato de alguns trabalhadores, durante as
auditorias, terem o à vontade suficiente para falar abertamente sobre algumas
situações negativas que tinham vivenciado por não terem respeitado e cumprido
devidamente os métodos e regras de segurança no que diz respeito à exposição
aos riscos existentes, admitindo, no entanto, a sua responsabilidade e
referindo que atualmente estavam muito mais despertos e conscientes para a
existência dos perigos e riscos laborais e respetivas consequências que daí
possam possam advir, adotando uma postura a atitude mais pro-ativa e
responsável sobre a promoção e prevenção da segurança em contexto laboral.
Para concluir, considero que a comunicação do risco é uma ferramenta útil no sistema de gestão da segurança e saúde no trabalho que não deve ser descurada, pois permite incrementar a participação de todos os colaboradores que constituem uma determinada organização, de forma a motivá-los para a adoção de procedimentos seguros bem como para a constante monitorização do sistema contribuindo para uma consequente atualização e adaptação face às exigências quer internas resultantes de uma política de segurança pré-definida, quer externas fruto das exigências legais e normativas às quais uma organização deve dar cumprimento, otimizando os seus resultados, em prol da segurança de todos preservando a sua saúde e o seu bem-estar físico e psíquico.
Fontes Bibliográficas:
2- EDP – Manual
de Segurança – Prevenção do Risco
Elétrico, Outubro 2002;
3- Sargaço, J. Relatório Final de Estágio – Trabalhos em Tensão, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Junho 2007;
4- Nunes, F.
Manual Técnico: Segurança e Higiene do
Trabalho, Setembro 2007;
5- Palencar, M.
Risk Communication and community right to know: Public Relations to inform, Janeiro 2008.
Até à próxima publicação!
Ana Machado
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