sábado, 12 de outubro de 2013

Vigilância Sanitária de Águas para Consumo Humano

     Caros leitores, bem-vindos novamente ao meu blogue. Hoje irei abordar uma temática que constitui uma das áreas fulcrais na atuação do Técnico de Saúde Ambiental, que consiste na vigilância sanitária de Águas para Consumo Humano. Primeiramente, vou dar uma breve explicação sobre o conceito de água para consumo humano, segundo o Decreto-Lei nº 306/2007, que estabelece o regime de qualidade da água para consumo humano, esta consiste em:

       a) " toda a água no seu estado original, ou após tratamento, destinada a ser bebida, a cozinhar, à preparação de alimentos, à higiene pessoal ou a outros fins domésticos, independente da sua origem e de ser fornecida a partir de uma rede de distribuição, de um camião ou navio-cisterna, em garrafas ou outros recipientes, com ou sem fins comerciais. "
   b) " toda a água utilizada numa empresa da indústria alimentar para fabrico, transformação, conservação ou comercialização de produtos ou substâncias destinadas ao consumo humano, assim como a utilizada na limpeza de superfícies, objetos e materiais que podem estar em contacto com os alimentos, exceto quando a utilização dessa água não afeta a salubridade do género alimentício na sua forma acabada. "

Segundo o Decreto acima mencionado, que determina o regime da qualidade da água fornecida pelas entidades gestoras destinada ao consumo humano, cabe à autoridade de saúde garantir a vigilância da água de forma regular e periódica, bem como avaliar o risco que esta acarreta para a saúde humana. Esta vigilância consiste num conjunto de ações desenvolvidas para avaliar a qualidade da água e prevenir os riscos que esta possa representar para a saúde pública, devendo ser assegurada e disponibilizada a toda a população uma água salubre, limpa e equilibrada na sua composição. Desta forma, a autoridade de saúde atua conjuntamente com os técnicos de Saúde Ambiental promovendo a proteção da saúde da população dos efeitos nocivos que podem advir da eventual contaminação da água.
De forma a determinar a qualidade da água é necessário realizar vários tipos de análises:

Análises de Campo (AC) - verificação do teor de desinfetante residual (cloro residual livre) que no caso deste tipo de águas deverá estar entre o intervalo de o,2-0,6 mg/L; pH que deverá apresentar valores entre 6,5-9 e por fim a temperatura. Parâmetros estes que são determinados no próprio local de colheita das amostras.

Análises Microbiológicas (AM) - determinação dos parâmetros microbiológicos.

Figura 1- Parâmetros microbiológicos da água destinada ao consumo humano
Fonte: Decreto-Lei nº 306/2007
Análises Físico-Químicas (AFQ) - determinação dos parâmetros físico-químicos.


     
Figura 2- Parâmetros Físico-Químicos da água destinada ao consumo humano
Fonte: Decreto-Lei nº306/2007
    É importante, dentro do contexto das colheitas de água para consumo humano, fazer referência às recomendações da ERSAR (Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos) nº 03/2010 que indicam os procedimentos adequados para as colheitas de amostras de água e que representam um complemento ao Decreto-Lei nº 306/2007.

Análise Microbiológica:
  •  Desinfetar as mãos (ex: álcool);
  • Escolher, preferencialmente, uma torneia de água fria;
  • Retirar, se possível, os acessórios externos e adaptados à torneira (filtros);
  • Desinfetar a torneira com o flamejador;
  • Abrir a torneira e deixar a água escorrer durante cerca de 5 a 10 segundos com fluxo máximo, reduzir o fluxo e deixar correr para eliminar a interferência do desinfetante e da temperatura do flamejamento;
  • Sem fechar a torneira, recolher a amostra em frasco estéril com tiossulfato de sódio com a tampa do frasco virada para baixo, garantindo condições de assepsia;
  • Para evitar contaminações, garantir que o frasco estéril só deverá estar aberto pelo período de tempo estritamente necessário para a recolha da amostra;
  •  Identificar devidamente todos os frascos com etiquetas próprias;
  • Colocar os frascos das amostras em malas térmicas, devidamente limpas, dotadas de acumuladores de frio, de modo a garantir a correcta refrigeração das amostras até a sua entrega no laboratório acreditado para posterior análise da qualidade da água.
       Análise Físico-Química:
  • Escolher, preferencialmente, uma torneia de água fria;
  • Retirar, se possível, os acessórios externos e adaptados à torneira (filtros);
  • Sem escoamento prévio, abrir a torneira e recolher o primeiro litro de água estagnada num frasco preparado para a análise de metais. Esta amostra, obrigatoriamente de 1 litro, é utilizada para a análise do chumbo, níquel, e cobre na água estagnada nas torneiras do consumidor. Na colheita de amostras onde não se pretende analisar os metais chumbo, níquel e cobre esta fase não é necessária, procedendo de imediato à fase seguinte;
  • Abrir a torneira e deixar a água escorrer durante cerca de 5 a 10 segundos com fluxo máximo, reduzir o fluxo e deixar correr;
  • Sem fechar a torneira, recolher a amostra em frasco próprio para análise físico-química, com a tampa do frasco virada para baixo;
  •  Identificar devidamente todos os frascos com etiquetas próprias;
  • Colocar os frascos das amostras em malas térmicas, devidamente limpas, dotadas de acumuladores de frio, de modo a garantir a correcta refrigeração das amostras até a sua entrega no laboratório acreditado para posterior análise da qualidade da água.
Figura 3- Desinfeção das mãos com álcool
  
         Figura 4- Colheita da amostra
       
         Figura 5- Medição da temperatura da água


     Para finalizar gostaria de salientar a importância e a necessidade de uma articulação conjunta eficaz e dinâmica entre as autoridades de saúde e os técnicos de saúde ambiental nesta área pois só assim será possível garantir um acompanhamento regular e periódico na validação da qualidade da água, permitindo desta forma analisar, avaliar mas sobretudo prevenir os riscos associados a possíveis contaminações da água para a população.

      De acordo com o relatório anual sobre o “Controlo de Qualidade da Água para Consumo Humano” referente ao ano de 2012 publicado pela ERSAR, a percentagem de água segura (indicador de água controlada e de boa qualidade) tem vindo a crescer de uma forma contínua. Foram feitas 550 mil análises à qualidade da água, sendo que a taxa de cumprimento dos valores-limite de poluição foi de 98,35%, os 1,65% que escaparam às normas têm a ver sobretudo com locais onde ainda há problemas de desinfeção da água, ou em locais onde existe contaminação natural por elementos como o ferro, manganês, entre outros. Desta forma é de salientar o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido no sentido de garantir o acesso a todos a uma água de qualidade.


Bangladesh - Um caso de Emergência em Saúde Pública:


    Considero pertinente realçar o fato de que na atualidade, ainda existe um grande número de pessoas em todo o mundo que estão a sofrer consequências nefastas e até mesmo mortais, devido à não realização de um controlo adequado e eficiente referente à qualidade da água para consumo humano, constituíndo desta forma um grave problema de Saúde Pública. Um exemplo real desta situação remonta ao Bangladesh, sendo que milhões de pessoas foram expostas a níveis extretamemente elevados de arsénio em águas subterrâneas destinadas ao consumo humano, tornando-se na "maior contaminação em massa da história" segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Este trágico acontecimento deveu-se sobretudo ao resultado de um esforço bem intencionado por parte de agências de desenvolvimento, que durante a década de 1970 contruíram cerca de 10 milhões de poços artezianos para o abastecimento de água da população, com o objetivo de minimizar os efeitos da cólera e disenteria existentes no país. Contudo, aquando da construção das infraestruturas referidas anteriormente, não foram efetuadas quaisquer tipo de análises à agua, por forma a despistar possíveis contaminantes presentes na mesma, devido ao fato de não existir uma consciencialização por parte das entidades competentes face a esta temática.

        Um estudo realizado pela British Geological Survey no ano de 1998, em 41 distritos do Bangladesh, concluiu que 35% das 2022 amostras de água analisadas continham níveis de arsénio superiores a 50 μg/l, sendo que 8,4% do total de amostras apresentavam níveis superiores a 300 μg/l. Relativamente ao número de pessoas afetadas, o presente estudo concluiu que cerca de 21 milhões de pessoas ficaram expostas a níveis de arsénio superiores a 50 μg/l. No que diz respeito aos efeitos provocados pela ingestão de água contaminada com arsénio, estes manifestam-se lentamente, tendo um período de latência, isto é, o período que decorre desde a primeira exposição até à manifestação da doença, relativamente grande, sendo as principais consequências para a saúde: lesões graves na pele , bem como cancros de pele e de outro tipo. Tendo em conta o referido estudo, 1 em cada 10 pessoas que tenham ingerido água contendo níveis de arsénio superiores a 500  μg/l, durante largos períodos de tempo, poderão morrer devido ao desenvolvimento de cancro de pele, pulmão e bexiga. Perante esta calamidade mundial, torna-se urgente e necessário a implementação o quanto antes, de um programa de intervenção global, que envolva entidades internacionais, permitindo não só minimizar os efeitos negativos provocados pela exposição ao arsénio, mas sobretudo reduzir a exposição da população. 
     A descoberta de águas subterrâneas contaminadas com arsénio não só no Bangladesh, mas também na Argentina, Chile, China, Tailândia, entre outros países, permite evidenciar que estamos perante um problema de âmbito mundial.

Figura 1 - Percentagem de águas subterrâneas contaminadas com níveis de arsénio superiores a 50 μg/l

                                         Figura 2 - Magnitude da contaminação por arsénio no Bangladesh



   Ana Machado


    Fontes Bibliográficas:

  Contamination of Drinking-Water by arsenic in Bangladesh: a public health emergency:
http://www.who.int/bulletin/archives/78(9)1093.pdf
    - Decreto-Lei nº 306/2007, de 27 de Agosto:
 http://www.dre.pt/pdf1sdip/2007/08/16400/0574705765.PDF
   - Recomendações da Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos (ERSAR)    nº 03/2010:
   - Relatório anual sobre o "Controlo de Qualidade de Água para Consumo Humano"  referente ao ano de 2012, publicado pela ERSAR:

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