sábado, 26 de outubro de 2013

Programa REVIVE (Rede Nacional de Vigilância de Vetores)

As doenças transmitidas por vetores têm emergido, ou reemergido, como resultado de alterações climáticas, demográficas e sociais, alterações genéticas nos agentes patogénicos, resistência dos vetores a inseticidas e inversão da importância dada à resposta à emergência em detrimento da prevenção.

Administração Regional de Saúde do Norte, I.P,2011

Figura 1 - Mosquito Aedes aegypti adulto
Fonte: https://www.google.pt/search?q=aedes+aegypti&source
     Caros leitores, como tem sido referido ao longo deste blogue, a Saúde Ambiental constitui-se como uma área por si só bastante ampla, abrangendo diversas temáticas, algumas delas já aqui descritas por mim. Desta forma, chegou o momento de me debruçar sobre outra temática igualmente relevante no que diz respeito á atuação do Técnico de Saúde Ambiental e que, pessoalmente, me desperta um grande interesse que consiste na participação no programa REVIVE (Rede Nacional de Vigilância de Vetores).
    O programa REVIVE surgiu no ano de 2007 tendo como propósito: “monitorizar o desenvolvimento, o comportamento e a sobrevivência de vetores e hospedeiros e consequentemente a dinâmica da transmissão da doença”. Em 2008, foi assinado um Protocolo, por um período de dois anos entre a Direção Geral de Saúde, as Administrações Regionais de Saúde e o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge com o objetivo de determinar o nível de risco associado à presença de culicídeos (vulgarmente conhecidos como mosquitos) em Portugal. O mesmo Protocolo foi revisto em 2010 e alargou a vigilância de vetores aos ixodídeos (vulgarmente conhecidos como carraças) sendo as principais finalidades do programa REVIVE (2010-2015)


a) "Vigiar a atividade de artrópodes hematófagos, caraterizar as espécies e a ocorrência sazonal em locais previamente selecionados.
b)  Identificar agentes patogénicos importantes em saúde pública transmitidos por estes vetores.
c)  Emitir alertas para a adequação das medidas de controlo, em função da densidade dos vetores e do nível de infeção."

O Programa REVIVE insere-se no âmbito de atuação do Técnico de Saúde Ambiental, pois no Decreto-Lei nº 117/95, de 30 de Maio referente ao conteúdo funcional do Técnico de Saúde Ambiental na alínea a) do artigo 1 pode ler-se que: “O Técnico de higiene e saúde ambiental atua no controlo sanitário do ambiente, cabendo-lhe detetar, identificar, analisar, prevenir, e corrigir os riscos ambientais para a saúde, atuais ou potenciais que possam ser originados por fenómenos naturais...". Assim sendo, o Técnico de Saúde Ambiental desenvolve ações nomeadamente a colheita, armazenamento e expedição das amostras de vetores para entidades creditadas (Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge e Centro de Estudos de Vetores e Doenças Infecciosas (CEVDI), para posteriormente serem estudados e analisados, contribuindo para a avaliação do risco de proliferação de vetores e transmissão de doenças com relevância em Saúde Pública, bem como para a proteção da saúde da comunidade através da divulgação de medidas preventivas que potenciem a diminuição da população de vetores e o risco de picada, minimizando o risco associado.
Durante o estágio, tive a oportunidade de participar numa colheita de culicídeos, mais concretamente de mosquitos adultos, bem como verificar o acondicionamento e a expedição das amostras para o CEVDI.

                                                             Culicídeos (Mosquitos)

A presença de água é fundamental para a existência de mosquitos, uma vez que constítui o meio pelo qual completa o seu ciclo evolutivo. A temperatura é também essencial para um desenvolvimento mais rápido e aumento da descendência, desde que esteja entre os 25ºC e os 30ºC, sendo que a população tende a crescer na Primavera e no Verão. O ciclo de vida dos mosquitos é constítuido por uma fase aquática - ovos, larva, pupa e por uma fase aérea correspondente ao mosquito adulto. As fêmeas têm o aparelho bucal adpatado à sucção de sangue de animais vertebrados, sendo por isso importantes vetores de agentes patogénicos, como a malária, febre-amarela, dengue, devendo estas ser alvo de uma maior preoucupação.

Figura 2 - Ciclo Evolutivo dos Mosquitos

Procedimento de Colheita de Amostras de Mosquitos Adultos:

A colheita de mosquitos adultos foi realizada num jardim público, num local estratégico abrigado do vento. Para a colheita foi utilizada uma armadilha CDC (Centers for Disease Control and Prevention), esta armadilha possui uma fonte de luz que vai atrair os mosquitos para um local onde estes são aspirados passando de imediato para o recipiente coletor. Por sua vez o gelo seco também vai atrair os mosquitos mas devido à libertação de dióxido de carbono, já que estes localizam os potenciais hospedeiros através do dióxido de carbono expirado durante a respiração.

Material:
- Armadilha tipo CDC (Center for Disease Control) e recipiente coletor;
- Bateria carregada;
- Gelo seco e saco;
- Termo-higrómetro.

Método de Colheita:
1- Produzir o gelo seco necessário à colheita;
2- Colocar a armadilha antes do pôr-do-sol com o recipiente coletor e ligar à bateria;
3- Verificar se as portas metálicas basculantes da armadilha se encontram na posição fechada e testar várias vezes se abrem e voltam à posição inicial;
4- Colocar o Termo-higrómetro. Anotar os dados importantes no boletim de colheita (tipo de habitat, proximidade de água, entre outros);
5- Colocar o recipiente de gelo seco na proximidade da armadilha (se for um saco de plástico deve-se fazer um furo);
6- Na manhã do dia seguinte, após o nascer do sol, recolher com cuidado o recipiente coletor, evitando fugas dos mosquitos capturados. Registar os dados relativos à temperatura e humidade relativa no boletim de colheita.

Expedição das Colheitas:
Para a expedição, as amostras foram bem acondicionados em recipientes estanques, sendo que estes foram posteriormente colocados numa caixa térmica em esferovite com um termoacumulador e enviados por correio juntamente com os boletins de colheita para o CEVDI (Centro de Estudos de Vetores e Doenças Infecciosas).

Figura 3 - Produção de Gelo seco

Figura 4 - Colocação da armadilha e do saco com gelo seco

Figura 5 - Colocação do Termo-higrómetro junto da armadilha

Figura 6 - Acondicionamento dos mosquitos capturados em recipiente estanque
    De acordo com a informação mensal (Setembro de 2012), emitida pela Direção Geral de Saúde (DGS) referente aos casos de febre de dengue que surgiram na Ilha da Madeira, desde o início do surto de dengue em Setembro de 2012, foram notificados através do Madeira Dengue Surveillance System, 2187 casos prováveis de febre de dengue, dos quais 1084 (50%) foram confirmados laboratorialmente. Desde a última atualização da DGS, de 19/05/13, foram reportados 9 novos casos prováveis de febre de dengue na Ilha. Todos foram sujeitos a investigação laboratorial, tendo sido confirmados 2 casos, importados da Venezuela.
   Após a leitura deste comunicado, penso que fica demonstrada a necessidade da existência de uma rede de vigilância de vetores que abranja todo o território português e que esteja em permanente articulação com outras redes de vigilância internacionais por forma a detetar atempadamente qualquer alteração quer na abundância quer na diversidade de vetores, facilitando a tomada de decisão por parte das autoridades de saúde no sentido de serem adotadas medidas e estratégias que contribuam para o controlo das populações de vetores reduzindo ou eliminando o seu impacto na saúde pública.



Alterações Climáticas e Doenças Transmitidas por Vetores:


   Uma vez que estou a abordar a temática das doenças transmitidas por vetores, torna-se relevante explorar um pouco a questão das alterações climáticas e a sua associação no processo de transmissão de doenças veiculadas por vetores bem como as implicações que daí poderão advir para a saúde pública. Atualmente, temos assistido a alterações climáticas drásticas que poderão constituir uma grave ameaça para a saúde pública mundial, uma vez que o aumento e a intensidade de temperaturas extremas adversas bem como a ocorrência de eventos climáticos extremos (secas, cheias), poderão contribuir favoravelmente para a proliferação de doenças associadas à agua, alimentos, poluição do ar e transmitidas por vetores. Segundo o Program on Health Effects of Global Environmental Change, Department of Environmental Health Sciences, USA"As mudanças temporais e espaciais de temperatura, humidade e precipitação que se espera que ocorram como consequência das alterações climáticas, afetarão a biologia e ecologia dos vetores mas também dos hospedeiros, podendo aumentar o risco de transmissão de doença".

  Um estudo realizado pela World Health Organization (WHO) em 2000, teve como objetivo determinar a influência das alterações climáticas sentidas em todo o mundo, no processo de transmissão de várias doenças veiculadas por vetores. Segundo o presente estudo, determinados fatores como os padrões sazonais dos vetores, alterações ambientais, bem como os próprios estatutos socio-económicos das populações poderão alterar significativamente a epidemiologia de algumas doenças transmitidas por vetores. Estima-se que a temperatura mundial aumentará entre 1-3,5ºC em 2100, sendo que a maior consequência que poderá advir deste aumento de temperatura está relacionada com os intervalos de temperatura necessários para a transmissão da doença (14-18ºC como limite inferior e 35-40ºC como limite superior), como é referido por Watts et al, 1987. Desta forma, é possível verificar que nos climas mais quentes a fêmea de mosquito adulto digere o sangue mais rapidamente e alimenta-se com mais frequência, sendo que o vírus da malária completa o ciclo de incubação dentro do mosquito num período mais curto do que seria de esperar (Gillies, 1953).
Nos últimos 100 anos, a Europa assistiu a um aumento de temperatura de cerca de 0,8ºC, tendo sido registados recentemente casos de paludismo no Azerbaijão, Arménia e Turquia, sendo muito provável que esta mudança climatérica amplie ainda mais a distribuição atual da doença (Sabatinelli, 200). Em África, também é calculável que em 2050 ocorra um aumento da temperatura média de cerca de 1,6ºC, favorecendo assim a transmição da maioria das doenças veiculadas por vetores como o paludismo, febre amarela, febre hemorrágica, oncocercose, leishmaniose, entre outras (Coluzzi et al, 1979). Também na Ásia, os investigadores prevêm que em 2070 as temperaturas superficiais médias aumentem entre 0,4-4,5ºC, sendo que no Sri Lanka o risco das epidemias de paludismo aumentaram quatro vezes durante o ano de atividade do fenómeno El Niño (Bouma, 1996).


Figura 7 - Distribuição dos casos de doenças transmitidas por vetores na América do Sul em 1996
Figura 8 - Áreas possíveis de estabelecimento do mosquito Aedes albopictus na Europa em 2010 e 2030

Considero que o estudo apresentado representa mais uma ferramenta indispensável e algo a ter em conta no que diz respeito à prevenção e/ou eliminação dos riscos para a saúde humana por parte das Redes de Vigilância de Vetores quer nacionais quer internacionais. Não podemos negar o fato de que as alterações climatéricas e as suas consequências estão a ter grandes repercussões um pouco por todo o mundo, até mesmo em Portugal, sendo que o clima tem sofrido algumas alterações, registando-se um aumento significativo das temperaturas máximas e mínimas médias, estando a aproximar-se de um clima tropical, como explica o metereologista Costa Alves, do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, o que poderá favorecer a presença e a proliferação de vetores  devido ao calor e humidade, por estes motivos a vigilância de qualquer alteração no número de espécies revela-se fundamental no sentido de reforçar o controlo e  a prevenção.


Ana Machado

Fontes Bibliográficas:

- Climate change and vector-borne diseases: a regional analysis. World Health Organization, 2000:
 http://www.who.int/bulletin/archives/78(9)1136.pdf
- Decreto-Lei nº 117/1995, de 30 de Maio:
- Programa Regional de Vigilância de Vetores 2010-2015:
- Relatório REVIVE - Culicídeos:
- Informação mensal dos casos de febre de dengue na Ilha da Madeira (Setembro de 2013) emitida pela Direção Geral de                Saúde:

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